4163 Brasil, Carolina Nogueira, Ex-metorpoli (Haití y Francia)

Oficialmente colônia francesa por pouco mais de cem anos, colônia de fato por quase duzentos, o Haiti sempre ecoou na França como um silêncio incômodo. Até que o terremoto sacudiu tudo.

Para os franceses, nunca foi confortável lembrar todos os laços inegáveis que unem violentamente os dois países- ainda que continue não sendo, agora o dever de memória se tornou inevitável.

Não é possível ignorar como a francofonia, tão lembrada, insistida, celebrada nas relações francesas com países como o Canadá, representa no Haiti um parentesco distante, esquecido – uma cacofonia, com o perdão da rima pobre.

Como, da imigração haitiana pulsante e inegável, empurrada pela mesma proximidade linguística, o ministro de muros e fronteiras Eric Besson se ocupa com sua habitual alergia à miséria.

Os livros de história franceses são historicamente evasivos sobre o Haiti – até porque, em plena euforia das expansões napoleônicas, abordar a pequena colônia insular que consegue abolir a escravatura (a primeira nação do mundo a fazê-lo) e impor sua independência pela força das armas não deve ser mesmo muito oportuno para os brios da ex-metrópole. Melhor passar batido.

Compreensível que tampouco seja popular lembrar da tal dívida paga pelo país à França a título de indenização pela independência, no século XIX.

Banido do comércio com os principais países do mundo por mais de sessenta anos, o Haiti foi chantageado, obrigado a indenizar a França em 90 milhões de francos (13 milhões de euros, em valores não atualizados) – fato a que se costuma atribuir as origens das dificuldades econômicas do país.

A um resto desta dívida somaram-se outras – para as quais discute-se hoje um «possível» perdão. Até porque posar de herói, na atual conjuntura, não é nada mau.

Os franceses não escondem o incômodo com a operação-resgate ostensivamente montada pelos Estados Unidos na ex-colônia. Os jornais falam em «desembarque americano», emprestando a expressão conhecida para se referir ao dia D, na Segunda Guerra Mundial.

Numa declaração que causou polêmica, no início da semana, o secretário de Estado francês, Alain Joyandet disse que «espera-se que as coisas estejam claras sobre o papel dos Estados Unidos. Trata-se de ajudar o Haiti, não de ocupar o Haiti». Joyandet acabava de voltar de Porto Príncipe, visivelmente chocado – e incomodado com a presença norte-americana por lá.

Se querela diplomática foi rapidamente resolvida pela habitual frasezinha de desagravo presidencial («estamos em cooperação» etc), resta a questão humana – a ferida imensa que a tragédia no Haiti plantou no coração de Paris.

A professora assistente do meu filho perdeu a casa da família, a cunhada, sobrinhos. O namorado de uma amiga perdeu o irmão e mais quinze parentes. Famílias francesas em processo de adoção de crianças haitianas pedem na Justiça o envio imediato de mais de duzentos menores que estão em Porto Príncipe.

Coisas de relação de ex-colônia com ex-metrópole. Coisas muito bem silenciadas aqui em Paris por séculos. Até que um terremoto sacudiu tudo.

Carolina Nogueira é jornalista e mora há dois anos em Paris, de onde mantém o blog Le Croissant (www.le-croissant.blogspot.com)

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